sábado, 27 de junho de 2009

A rua II


Naquele mundo suburbano só há anjos e demonios,
caminhando nas espadas e nos filamentos da alma.
Naquele fim de mundo onde Deus esqueçeu a bola
e os meninos, a rua é uma cobra se espichando
nos pigmentos de plasma.
Onde Deus esqueçeu as mulheres
a rua amarela é um dragão de comodo.
Deixem Utrillo passar!
Deixem Ivan passar com cavaletes, pinceis e tintas
naquela rua das deformações, das trombetas,
na infancia inchada do cérebro.
Deixem Munch passar, pois o tempo devora.
O tempo da matéria devora.
Não esqueçam de levar arco-iris, sonhos,
Guimarães Rosa, Sertões e Veredas.
Deixem Quintana dedilhar versos em arpas imaginárias.
Deixem Gullar, Lorca, Baudelaire, Pirandelli, incharem a rua,
a rua sem peso.
Não esqueçam de levar cantos gregorianos, boleros, óperas,
Valsas, Luciano Pavarotti e a cachaça.
Enfim, entretando, entre tantos na viscosidade pegajosa da tarde,
ver a construção de um novo rumo aos caminhos das lesmas.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Desvelamento.


A águia pousou no cercado da imaginação.
Silênciosa observa a ribalta, com olhos
ossificados, ciente da angústia e do desprezo
pelos homens.
A águia pousou na árvore morta com corpo
de homem, deixando para traz restos de
sombra no azul cobalto da tarde.
A águia pousou no tronco morto para
apreciar a ventania dos homens coxos,
dos relogios mentais, do irmão querido,
Osvaldo em águia.
A águia pousou em oníssono no coração
lusitano do bardo.
Nua, despojada do homem, penetrando
cada centimetro no espaço das grandes
formas, conduzindo uma sinfonia de vida.
A águia pousou no interior da mente e da alma.
E em cada vão, na sangria da terra, nos riscos que
infiltrão, penetram nas fissuras pequenos
ossos e um assobiar de passáros.
O movimento acelera, no céu em caldas
acelera no céu em lama,
em lágrimas para retornar retilíneo
na águia que fixa, passiva, espera a
próxima presa.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Auto - Retrato.


Nos dias da minha mãe
a rua era uma pista de corrida e a lua
brilhava, estacionada na abóbada da noite.
Enquanto rios, oceanos voavam nas fragatas,
eu em transe pintava na foligem do tempo.
Minha mãe cantava no quintal, lavando roupas
e as cores do pincel molhavam a crista do sol.
Amanheceu! Lenta manhã.
Pintassilgos, canarinhos chapinhas e bem-ti-vis
explodiam no ar carregando o calvário dos olhos.
Tão lindos!
Minha mãe, libélula dessa manhã cantava, no tempo,
dentro dessa alma mineira, sertaneja.
Cantava alegrando o corpo, a casa, os passárinhos.
Dias que se foram repletos de estrelas,
repletos de Ivans, de mães.
Dias em que o espaço eternizou-se nos neurônios
( uma gaiola de neutrôns ).
Prendeu-se nos fragmentos de particulas do cosmo.
Fez preencher buracos de protons no coração.
Contruidas, preenchidas no auto-retrato do meu édipo.
Hoje minha mãe não canta mais ( o vento levou os alegretos ).
Hoje estou no silêncio do passar da aurora.
O relógio derreteu-se nos dedos,
A ampulheta quebrou-se uivando no ar.
Milhões de matérias espalharam-se no findar
do corpo de baile.